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Resenha: Ainda estou aqui - Marcelo Rubens Paiva (Alfaguara)

em terça-feira, 1 de julho de 2025

 Por que a tortura nunca acaba?

Ainda estou aqui, de Marcelo Rubens Paiva, foi publicado pela Editora Alfaguara, e inspirou a adaptação para o cinema, dirigida por Walter Salles.  O filme estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, com a participação mais que especial de Fernanda Montenegro, conquistou diversos prêmios em festivais pelo mundo, culminando  no Oscar de Melhor Filme Internacional em 2025.  

A memória é uma mágica não desvendada.


A vida é feita de memórias.  Visitar o passado é reviver a dor do desaparecimento do pai, quando Marcelo era ainda criança.   Esmiuçar documentos, juntar as peças como em um grande quebra-cabeças, descobrindo os detalhes do assassinato do deputado Rubens Paiva nos sombrios bastidores da ditadura, foi revelando o real cenário em que cresceu.  Depois de adulto, diante da luta para manter viva a memória do pai, o autor vê a mãe Eunice Paiva, mulher forte e guerreira, se perder em suas próprias lembranças, que foram se esvaindo como grãos de areia, consumidas pelo Alzheimer.   Essa é uma das partes mais sensíveis do livro, com as etapas da doença sendo detalhadas pela vivência do filho. 


Memória é viva.


Em janeiro de 1971, o deputado Rubens Paiva foi preso e torturado por agentes da ditadura militar.  Diante do seu desaparecimento, sua esposa, Eunice Paiva, travou uma luta para encontrá-lo, e, mais tarde, para que a justiça o declarasse morto de fato, considerando as evidências de seu assassinato nas dependências do DOI-Codi do Rio de Janeiro


Aqui é uma guerra.


Eunice nunca se enfraqueceu publicamente diante das dificuldades enfrentadas  para criar os cinco filhos.  Sem a confirmação da morte do marido, ela não conseguia receber o seguro, e nem mesmo ter acesso a todos os bens da família.  A certidão de óbito só foi emitida em 1996.


Talvez a dor da tortura não chegasse aos pés da descoberta de que tomou decisões erradas, arriscou a vida da mulher e dos filhos, crianças ainda.  Deve ter sido a sua derradeira tortura. 


A obra mostra fragmentos da vida da família Paiva em momentos felizes, da adolescência de Marcelo, e principalmente das consequências do desaparecimento do pai na vida de cada um deles.  Destaca a busca de Eunice pela verdade, e de sua formação como advogada e posterior especialização na luta pela defesa indígena.  Ela nunca se deixou abater. 


Para muitos, meu pai foi um herói que não fugiu à luta.  Para ela, deveria, sim, ter seguido para o exílio, quando soube que a família poderia passar pelo que passou. 


Com 296 páginas, Ainda estou aqui emociona o leitor ao mostrar as cicatrizes deixadas pela Ditadura Militar.  Marcas que historicamente ficaram registradas para que novos erros sejam evitados diante de uma conscientização social e política que respeite pensamentos e diversidades.  Aproveite o sucesso do filme e leia o livro para conhecer a história que conquistou o primeiro Oscar brasileiro. 


Você vê um quadro hoje.  Vê o quadro de novo daqui a dez anos, o revê daqui a vinte, trinta, quarenta...  É o mesmo quadro com a mesma moldura, na mesma parede do mesmo museu, com a mesma luz, é você, mas cada vez será visto de outra forma.  Cada vez ele nos conta uma história.  O quadro não mudou.  Já nós...


Tenham uma ótima leitura!

Ainda estou aqui
Autor: Marcelo Rubens Paiva
Editora: Alfaguara
Edição : 1ª (2015)
ISBN: 978-8579624162
Dimensões: 23,2 x 15 x 1,8 cm





Sobre o Autor:

Nascido em São Paulo em 1959, aos 11 anos de idade sofreu o primeiro grande baque de sua vida: o desaparecimento do pai (o ex-Deputado Federal Rubens Paiva) pela ditadura militar. Um despertar violento da consciência política. Estudou na USP e Unicamp. E então aos 20 anos de idade, ele sofreu o segundo grande baque: um acidente que o deixou tetraplégico. Hoje, com muita fisioterapia, voltou a locomover as mãos e os braços. Desde 1989, depois que estudou dramaturgia no CPT do Sesc, em São Paulo, ele estreou no teatro com a peça 525 Linhas, dirigida por Ricardo Karman. Em 1998, estreou E aí, Comeu?, peça dirigida por Rafael Ponzi, que depois mudou de nome pra Da Boca Pra Fora. Com ela, ganhou o Prêmio Shell, melhor autor, em 2000.


* Imagem criada com ajuda de Inteligência Artificial

* Leitura feita no Kindle        

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